A água tem um estado secreto? Entenda
Depois de 33 anos, o “segundo” estado líquido da água se mostrou verdadeiro, através do uso de simulações computacionais.

Fonte: Getty Images
A água é um dos únicos compostos moleculares a apresentar os três estados físicos em temperatura ambiente. Sólido, líquido e gasoso podem coexistir na natureza em diferentes regiões ou na cozinha da sua casa.
Enquanto você toma sua água líquida com cubos de gelo, pode estar esquentando uma certa quantidade no fogão para preparar o almoço, provocando vaporização. Mas poderia haver duas fases em um mesmo estado?
Em pesquisa publicada na revista Nature Physics, pesquisadores da Universidade da Califórnia, San Diego, conseguiram pela primeira vez testar em simulações computacionais propriedades transicionais do estado da água que demonstram que este líquido pode assumir fases diferentes em um mesmo estado.
Quem diria que uma coisa tão insípida poderia se tornar tão saborosamente curiosa e ocultar mistérios, mesmo sendo transparente? Além da dica de charada para compartilhar no trabalho, venha entender como isso tudo aconteceu.

O íntimo da água
Em 1992, uma teoria sobre o comportamento da água criou a hipótese que em super-resfriamento o estado líquido da água poderia gerar mudanças na sua conformação, apresentando-se com propriedades distintas de densidade, além daquelas já conhecidas.
Se você se lembra um pouquinho das aulas de física, deve se lembrar que a água quente tende a ser menos densa, permanecendo mais próxima à superfície, enquanto a água gelada fica no fundo. Mas a doação de calor acaba igualando as temperaturas e provocando transições, tanto de congelamento quanto de liquefação, dependendo do estado inicial do sistema.
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Algo bastante curioso é que em seu estado congelado ela é menos densa que sua versão líquida, além de sofrer um processo de expansão. Por esses motivos, o gelo boia nas bebidas com grande concentração de água e podem “explodir” recipientes colocados no congelador.
Fica o alerta: evite congelar alimentos ricos em água e água em recipientes de vidro. Existem algumas orientações específicas.

Outra excentricidade é que ela pode se manter em estado líquido mesmo em temperaturas abaixo de zero! O postulado demonstra que ao nível do mar, em estado puro, a água congela ao atingir 0ºC e ferve em 100ºC, nas geleiras e em grandes lagos congelados, ela pode ser encontrada em temperaturas de -38ºC em estado líquido abaixo das grossas camadas de gelo.
Todo esse comportamento excêntrico gerou a teoria dos anos 1990 que buscava compreender quais outras surpresas o líquido vital poderia guardar. Agora, depois de 33 anos, essa diferença de densidade que gera fases diferentes da água em estado líquido pode ser testada, mesmo que em modelo computacional.
A equipe de pesquisa preparou a simulação com base nas teorias de química quântica que analisa os pormenores da formação e comportamento das moléculas e suas ligações. A inteligência artificial (modelo MB-pol) treinada para esse trabalho foi desenvolvida com base em redes neurais, que analisaram criteriosamente diferentes cenários de temperatura e pressão nas quais esse fenômeno dual pudesse ser observado.

Ao contrário da IA que levou dois dias para resolver uma questão de 10 anos, a inteligência utilizada levou dois anos para responder uma questão de 33 anos. Mas não é uma corrida, cada uma com suas questões fundamentais para resolver.
Os dados demonstram que em super resfriamento, aproximadamente -75°C e em alta pressão, em torno de 1250 atm, a água sofre flutuações na densidade, em escala de microssegundos, alternando entre densa e menos densa, em um mesmo estado e compartilhando das mesmas condições de temperatura e pressão. A faixa de variabilidade de temperatura testada foi de -85°C até 95°C e pressão de 9,86 atm até 1299 atm.
Ainda que o fenômeno tenha sido testado em uma simulação computacional, os autores do estudo relatam que o evento foi “quase tão real quanto um copo com água ao vivo”, segundo o site da Universidade da Califórnia, instituição que promove o estudo.

Longe de ser apenas uma curiosidade, a equipe reflete sobre potenciais usos desse fenômeno em aplicações práticas. Por exemplo, caso seja possível utilizar uma tecnologia capaz de gerar essa flutuabilidade em outros líquidos, ou mesmo na água, poderia ser desenvolvida uma “esponja” molecular, capaz de se ligar a organismos ou mesmo poluentes no meio ambiente.
Confira: Vídeo mostra hidrogênio e oxigênio criando água em nanoescala
Colados a esse sistema, eles poderiam ser mais facilmente coletados e descartados, contribuindo para a manutenção do meio ambiente, quiçá para usos médicos, pois a descoberta abre um leque de possibilidades para estudo e uso desse comportamento para o desenvolvimento de tecnologias, afinal, a compreensão do fenômeno pode contribuir para reproduções em outros materiais e por diferentes métodos.

Porém, ainda há um longo caminho até que esse evento bifásico em estado único possa ser testado na água e em outros líquidos. Após os testes reais, vem o período de experimentação para estímulo do fenômeno em condições “menos ideais” aumentando o leque de temperaturas e pressão atmosférica.
Por enquanto, temos um novo estado interessante de ser analisado, e contribui para melhor compreensão sobre os fenômenos intrínsecos da água, um líquido incolor, inodoro e insípido que parece tão único no universo quanto a existência humana.
Você tinha ideia que a água, renegada por tantos, poderia ser assim tão interessante? Que tal dar uma olhadinha nessa molécula em escalas nanoscópicas? Lembre-se sempre de tomar água, mesmo no inverno e se mantenha hidratado, curioso e acompanhando o TecMundo!

Por Jennifer Mariane Galdino de Queiroga Egues
Especialista em Redator
Estudante da área da saúde e ex-aspirante a Física.