Os papiros de Herculano: lendo 2 mil anos depois o que o Vesúvio queimou
Um papiro carbonizado na erupção do Vesúvio foi escaneado pelos poderosos raios X de um acelerador de partículas, revelando suas palavras invisíveis.

Papiro de Herculano lido por feixes de raios X
Entre as numerosas perdas causadas pela erupção do monte Vesúvio em 79 d.C., que soterrou as cidades de Pompeia e Herculano, no sul da Itália, estava um tesouro cultural único: os chamados Papiros de Herculano. Os quase 1,8 mil volumina (nome dados a esses “livros”) estavam em uma extensa biblioteca na Villa dos Papiros, uma luxuosa residência que se presume ter sido a casa do sogro de Júlio César.
Mais grossas que o papel moderno, essas folhas feitas da medula da planta de papiro eram enroladas em torno de uma haste de madeira (umbilicus). No entanto, quando pesquisadores tentaram desenrolar alguns desses documentos carbonizados pelo vulcão, eles simplesmente se desintegraram aos pedaços.
- Saiba mais: Como os egípcios antigos fabricavam o papiro?
Recentemente, pesquisadores do Desafio do Vesúvio, Bibliotecas Bodleianas e Universidade de Oxford conseguiram gerar com um sucesso a imagem digital de um desses manuscritos recuperados de Herculano. Foi como se o tivessem “desembrulhado” digitalmente, proporcionando a primeira leitura do seu interior após quase dois milênios.
Desvendando os segredos dos papiros de Herculano

Lançada em 2023, a iniciativa científica Desafio Vesúvio propôs à comunidade uma missão “impossível”: ler os papiros carbonizados sem os abrir ou realizar qualquer manipulação física. A ideia é decifrar os conteúdos, usando métodos não invasivos. Para isso, além de prêmios em dinheiro para os pesquisadores que conseguirem desenvolver métodos de leitura, a iniciativa obteve o apoio de diversos cientistas e instituições.
A disponibilização de uma solução de alta tecnologia permitiu que uma equipe retirasse um dos preciosos papiros do armazenamento na Biblioteca Bodleiana de Oxford. Ele foi depositado em uma caixa feita especialmente para esse propósito e transportado para o laboratório Diamond Light Source, em Oxfordshire.
Lá, o antigo manuscrito enrolado foi colocado em um tipo especial de acelerador de partículas circular que produz raios X extremamente potentes e precisos, capazes de escanear o papiro sem o danificar. Para o diretor de ciências físicas da Diamond, Adrian Mancuso, "Ele consegue ver coisas na escala de alguns milésimos de milímetro", explicou ele à BBC.
Como foi feita a digitalização do papiro de Herculano?

A tecnologia funciona acelerando elétrons em um grande anel circular, a uma velocidade próxima à da luz. Quando essas partículas mudam de direção, liberam a radiação síncroton, uma forma intensa de luz que pode ser usada para “enxergar” através dos papiros carbonizados, e detectar a tinta antiga, mesmo praticamente invisível no fundo escuro da peça.
Essas microtomografias computadorizadas de raios X 3D geram diversas saídas digitalizadas na forma de "volumes", disponibilizados como uma pilha de arquivos .tif 2D, ou fatias horizontais de baixo para cima. O tamanho do arquivo e o número de arquivos .tif para cada volume dependem do tamanho físico de cada rolo, que contém 10 metros de papiro.
O segredo, diz Mancuso, é "descobrir qual camada é diferente da próxima para podermos desenrolá-la digitalmente". Terminada essa parte do processo, a IA entra em cena para detectar a tinta. Para distinguir entre ela e o papiro, ambos carbonizados, as técnicas avançadas buscam sinais microscópicos de pigmento, que é então reproduzido digitalmente.
O que já foi decifrado nos papiros até agora?
Agora, a imagem do chamado Rolo 5 (PHerc. 172) foi virtualmente desenrolada e revelada. O resultado é uma exibição considerável de diversas colunas de texto, com cerca de 26 linhas cada. Com isso, os pesquisadores foram capazes de decifrar as primeiras palavras em grego, o que o que deu aos autores da façanha as recompensas prometidas:
Mas a iniciativa tem pressa. Por isso, “enquanto os esforços estão em andamento por acadêmicos da Universidade de Oxford para interpretar o texto, o Desafio do Vesúvio está convidando outros a se apresentarem e se juntarem ao esforço coletivo para decifrar completamente seu conteúdo”, diz um comunicado de imprensa.
Uma das primeiras palavras detectadas foi traduzida do grego antigo como διατροπή, que significa “desgosto”, e aparece duas vezes em algumas colunas de texto. Segundo os papirólogos de Oxford, o provável autor pode ser o filósofo epicurista e poeta Filodemo de Gádara. A boa notícia é que o papiro é possivelmente um livro finalizado, e não apenas “em andamento”, como alguns já encontrados.
Gostou da matéria sobre os papiros de Herculano? Se você se interessar pelo assunto e quiser participar do Desafio Vesúvio, que já distribuiu mais de US$ 1,5 milhão em prêmios, basta se inscrever no site da iniciativa. Boas pesquisas!